Já te contei? Por uma vida mais pacata

Muitas pessoas buscam emoções. Buscam algo para fugir da mesmisse da rotina diária. Tipicamente, buscam passeis em locais de aventura, fazem esportes radicais, experimentam comidas desconhecida e, enfim, buscam o desconhecido para dar mais emoção às suas vidas. Pois agora eu (e minha esposa) estou pedindo uma vida pacata! Quero justamente o contrário! Quero sossego, não quero ter novidades para contar, quero que minha vida seja tão chata quanto assistir a tinta secar na parede.

Se você já leu os livros de Agatha Christie, sabe que se a Ms. Marple estiver por perto, alguém vai morrer. Onde quer que ela vá, crimes acontecem, pessoas são assassinadas, para que ela resolva os casos. Cheguei certa época até a pensar que ela que causava as situações só para aparecer! Não é possível tanta coisa acontecer com uma pessoa! É contra as leias da probabilidade! Mas enfim, ela é para-raios de crimes. Mas eu sempre pensei que este tipo de coisa fosse fruto da imaginação de autores como Christie, que a vida real seria mais chata e rotineira. Infelizmente, a nossa não tem sido.

Pensando em 1996, quando conheci a minha esposa. Trabalhavamos em um curso de idiomas. Tudo parecia muito normal até termos um pouco mais de acesso à vida do proprietário. Ela fazia perguntas estranhas, como se não entendesse interação humana, emoções ou sociedade em geral. Chegamos a pensar que era de outro planeta (bem que parecia e acho que ainda mantenho esta possibilidade). Peguei uma lista de sinais de que alguém não é terráquio e ele se enquadrava em 9 das 10 perguntas. Depois de muito tempo descobrimos que ele estava envolvido com movimentos revolucionários e para-militares em um país da África. Não tenho evidências, e nem quero ter, mas ele parecia estar ligado a muitos eventos que aconteciam naquela região. Suspeitavamos até que estivesse envolvido em tráfico de armas ou algo assim. Quantas pessoas podem dizer que trabalham para um mafioso ou para um poderoso chefão do crime ou qualquer coisa assim?

Recentemente, descobrimos que a polícia está investigando uma senhora doce e amável que trabalhava para nós em conexão a um roubo e tentativa de assassinato em uma mansão em Curitiba! Imagine isso, Bonnie de “Bonnie & Clyde” trabalhava aqui em casa! Esta pessoa parece ter cometido (ou talvez até seja a mentora) vários roubos e sumiu, fugiu da cidade sem deixar rastro! Esta era uma pessoa que deixavamos sozinha com nossos filhos! Mas fico aliviado que não temos nada que valha roubar, pois ela nunca roubou nada de nós. Talvez o fato de a tratarmos bem tenha feito com que ela não nos roubasse, tendo um lado “Robin Hood”, em que não roubava dos pobres, só dos ricos 🙂

Além destes dois incidentes, no início da década de 90, quando eu morava no Rio, há tempos eu tomava água de côco e cerveja em companhia de um traficante de armas do Rio. Eu fui descobrir isso quase dois anos depois quando ele havia sido preso e estava na TV. Por isso ele nunca estava sozinho!

Fui oferecido oportunidade de trabalho contrabandeando pedras semi-preciosas e preciosas do Brasil para Miami; tive um caso com a filha de um poderoso político brasileiro, conhecido por mandar eliminar problemas (se é que me entende) e por ser suspeito de ser mandante de vários crimes; Peguei vôo para Miami em um avião boliviano correndo risco de ser suspeito de envolvimento no tráfego de drogas; e sem saber, era amigo de um agente que suspeito ser do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações, a CIA brasileira).

Então agora o que mais quero é uma vida pacata, tranquila, sem emoções. Por favor mandem a Jessica Fletcher (Murder She Wrote) de volta pra casa e para longe de mim!

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Já te contei? A terceira lei de Newton

Faz algum tempo que não posto nada no meu blog. Muita coisa aconteceu no último ano. Foram 12 meses com mais acontecimentos do que os 6 anos anteriores. Minha vida tomou novos rumos, ganhei muito e perdi muito. A vida parece compensar tudo de uma forma ou de outra. A impressão que tenho é que não existe um ganho significativo e repentino sem uma perda de igual tamanho. Talvez como a terceira lei de Newton, do princípio da ação e e reação. Pequenas mudanças são permitidas, mas nunca algo grande.

Nestes últimos 12 meses minha vida pacata e tranquila se tranformou radicalmente e para sempre. Em nossa vida, minha e de minha esposa, entraram novas pessoas e perdemos outras queridas. Perdemos quatro pessoas em poucos meses, começando por minhas duas avós, que morreram poucos dias à parte. Minha avó materna, Conceição Aparecida, é o estereótipo de vovó. Sempre elegante, bem-cheirosa e vaidosa, de cabelos arrumados e usando jóias, ela conseguia ser uma pessoa simples e despretenciosa. Ninguém que a visse pensaria que estaria impondo riqueza ou status de qualquer tipo. Muito pelo contrário, todos a adoravam e sabiam que era muito acessível em qualquer situação. Ela sempre foi muito alegre, sempre sorrindo e pronta para elogiar ou agradar. Ao menos esta é a minha visão. Minhas lembranças.

As minhas melhores lembranças de infância a incluem. Eu lembro as nossas idas a Passos, sempre ficavamos na casa dela, e sempre era uma festa. Lembro de brincar na cama com ela e o meu avô, que nos contava histórias e fazia piadas, muitas sem graça, mas sempre alegre e brincalhão. Lembro de minha avó fazer minha cama virando duas poltronas uma de frente para a outra. Eu sempre me acha especial porque só eu tinha esta cama. Provavelmente era por falta de cama, mas para mim, era o máximo. Lembro de acordar com o delicioso cheiro de café e pães de queijo da padaria do outro lado da rua. Lembro de pegar a caderneta dela e ir à padaria, devidamente autorizado, para comprar pães e pegar “algo gostoso para mim”, como ela sempre falava. Lembro de brincar em uma bacia de metal no quintal, com a mangueira, em um calor de 40 graus, enquanto ela lavava as roupas ou cuidava de alguma tarefa doméstica. Lembro até mesmo da máquina de lavar dela, que tinha muito orgulho por ser uma White-Westinghouse, importada.

Após a morte do meu avô, ela foi morar com minha tia Vera. Ainda feliz, mesmo sem o marido, com filhos distantes e que não visitavam com frequência, sem sua casa que morara mais de 50 anos, com a rotina mudada. Mesmo assim, sempre feliz. Era uma velhinha esperta que nunca deixou o cérebro “enferrujar”, sempre lendo livros e fazendo caça-palavras. Ela estava lendo a saga Crepúsculo da última vez que visitamos!

Ela adorou a Janaina, minha esposa, desde nossa primeira visita, talvez no início por ela ser fisicamente parecida com minha irmã. Mas as duas sempre se deram muito bem e a Janaina a considerava avó dela, alguém que ela nunca teve. A perda dela foi muito dura para nós dois e eu fico muito feliz de ter tirado tempo para visitar várias vezes nos últimos anos. Tenho ela em vídeos, contando histórias e falando de minha infância. Uma lembrança eterna para mim, sempre em meu coração.

Perdi também um tio paterno, marido de minha tia Mércia. Ele e meu melhor amigo de infância, o Ruben Zevallos, perdi para o câncer, doença cruel e dolorosa. Ao menos o Ruben não sofreu, descobriu o câncer, fez uma cirurgia e não resistiu. O meu pobre tio sofreu bastante, anos de dor e tratamentos. Eu lembro de minha infância passando férias na casa dele em São Paulo. Apesar de hoje não ser próximo dos meus primos, as lembranças daquelas férias são também algo que guardo no meu coração.

Do Ruben nem preciso falar. Se alguém o conheceu sabe que ele era uma pessoa carismática e de quem ninguém poderia ter raiva. A gente passou algum tempo sem contato algumas vezes mas quando o retomavamos, era como se não tivesse passado um só dia desde a última vez em que falamos. Era algo de vidas passadas, realmente uma pessoa maravilhosa e que eu acredito que verei novamente. O mundo perdeu muito com a partida dele.

Talvez a pior perda destes últimos meses foi a da minha sogra, Vânia. Ela se foi de repente, sem qualquer sinal, sozinha e justo na época em que a Janaina mais precisava dela. Mas ela conseguiu resolver sua vida, reatar com pessoas com quem havia brigado, perdoar, ser perdoada e, enfim, resolver as pendências de sua vida. Deveriamos ter visto isso como sinal, pois ela havia mudado. Descobrimos após sua morte o quanto era querida onde morava, onde todos gostavam dela. Vimos pessoas, as mais inesperadas, sentarem-se e chorarem a perda dela. Descobrimos o quanto ela se orgulhava dos netos, tendo colocado foto deles até no quadro de avisos da marina onde morava. Nas paredes do barco, fotos que eu havia mandado restaurar da Janaina novinha, com poucos anos de idade, lembranças da infância da filha e foto dos netos. Ela vinha passar o natal, mas não chegou nem a ver os netos.

Mas nem tudo foi trágico. Nestes últimos 12 meses, fomos abençoados com 3 filhos maravilhosos. Não tenho palavras para descrever esta alegria. São hoje a minha razão de viver, minha família, perfeita com todos os seus defeitos. Nos mudamos para o apartamento em que moramos. Comprei um carro de paizão (ou tiozão?), resolvemos muitas pendências que arrastavam-se por anos e, enfim, iniciamos uma nova etapa em nossas vidas. Hoje sou outro homem, outra pessoa, com uma vida completamente diferente da que eu tinha 12 meses atrás.

Com tudo isto, vejo que há fundamento na terceira lei de Newton. Para grandes ganhos há grandes perdas para compensar. A vida parece usar disso para nos manter humildes e manter-nos sedentos por mais, ao invés de nos acomodarmos na mesmisse.

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